Wednesday, February 28, 2018

CURA PARA A ANSIEDADE ESTATÍSTICA? Roteiro para a análise estatística exploratória

Você caiu na asneira de entrar no mestrado e agora não sabe por onde começar a análise dos seus dados?

O diagnóstico é ansiedade estatística.

Aqui pode estar a cura para o seu mal. Desenvolva uma sistemática de análise exploratória. A análise exploratória é a chave do paraíso estatístico. Acredite, isso existe.






ANTES DE TESTAR HIPÓTESES MULTIVARIADAS É PRECISO CONHECER OS DADOS

Conhece os teus dados como a ti mesmo! 



LISTAR E ANALISAR LOGICAMENTE TODAS AS VARIÁVEIS QUE ENTRARÃO NO ESTUDO

É importante ter sempre presente quais são as variáveis disponíveis para análise.

Estabelecer o possível status lógico das variáveis: VD, VI e Confundidoras. Pode ser necessário repetir isso diversas vezes ao longo do prodesso, dependendo da hipótese que for testada. Uma variável pode ser VD em uma análise e VI em outra. Mas é preciso sempre conservar em mente o papel que a variável está desmepenhando na análise.

A análise do papel de cada variável se chama operacionalização das variáveis ou design do estudo. 



FAZER TODAS AS ANÁLISES PARA CADA UMA DAS VARIÁVEIS

Não deixar nenhuma variável ou possível combinação de variáveis sem análise.

Quando forem feitas análises bivariadas, explorar todas as combinações possíveis, usando uma lógica de análise combinatória.

O resultado dessas análises pode, eventualmente, ser irrelevante. Mas ele precisa estar prontamente acessível caso venha à mente uma nova possibilidade de análise, um novo ângulo de observação dos dados. 



COMEÇAR EXPLORANDO A DISTRIBUIÇÃO UNIVARIADA DE CADA UMA DAS VARIÁVEIS

Fazer histogramas e boxplots de cada uma das variáveis.

Se a distribuição for semelhante à normal fazer algum teste estatístico para comprovar isso (Kolmogorov-Smirnoff? - Acho que tem coisa melhor. Tem que ver).

Os boxplots são bons para identificar outliers, mediana e quartis



SOMENTE A SEGUIR FAZER AS ANÁLISES BIVARIADAS

As análises bivariadas obedecem a uma lógica dupla: de associação (correlações) e de dissociação (diferenças entre grupos).



ANÁLISES BIVARIADAS DE ASSOCIAÇÃO

Antes de estimar correlações é importante analisar as distribuições bivariadas através de gráficos de dispersão (scatterplots).

Os gráficos de dispersão são importante porque a associação entre duas variáveis pode, p. ex., ser quadrática e não retilinear. Nesses casos a correlação de Pearson não será significante.

As relações quadráticas (p. Ex., curva em U ou U invertido) são muito freqüentes e interessantes, indicando possíveis interações.

Colocar no gráfico de dispersão no eixo X a variável logicamente independente e no eixo Y a dependente. 

Se os gráficos de dispersão sugerirem associações retilineares, fazer uma tabelão de correlações de Pearson de todas as variáveis com todas as variáveis. 

Dependendo do resultado das análises bivariadas de dissociação pode ser importante repetir essas análises de associação separadamente para cada grupo formado a partir das diferenças encontradas nas análises de dissociação.

Quado aparecerem correlações sugestivas, explorá-as através de regressão simples. 



ANÁLISES BIVARIADAS DE DISSOCIAÇÃO

Explorar possíveis diferenças entre grupos usando boxplots. Existe um tipo de boxplot em que todos os indivíduos são representados como pontos, da mesma forma que em um gráfico de dispersão. Não me lembro o nome. Mas além dos pontos, aparecem também a mediana e os quartis.

Explorar sistematica e combinatorialmente todas as relações possíveis entre variáveis. Uma dada variável deve entrar ora como VI (eixo X), ora como VD (eixo Y).

Quando os gráficos sugerirem diferenças, analisar a significântica estatística através de testes t (dois niveis nas variáveis) ou ANOVAS (quando houver mais de dois níveis nas variáveis). 

Sempre registrar o coeficiente d para os testes t e o eta ao quadrado para as ANOVAs. Se o professor não perguntar, o revisor vai querer saber sobre a magnitude do efeito.



COMEÇAR AS ANÁLISES PELA CARACTERIZAÇÃO SÓCIO-DEMOGRÁFICA DA AMOSTRA

Primeiro aplicar os passos descritos anterioremente para sexo, idade, série, tipo de escola, IDEB, Critério Brasil etc. Somente depois disso repetir a seqüência para as variáveis objeto do estudo. Sempre usar a lógica combinatorial. Nunca deixar nenhuma associação ou dissociação possível sem análise. 



AS ANÁLISES MULTIVARIADAS SÃO A ÚLTIMA ETAPA

Não fazer análises multivariadas sem conhecer muito bem os dados.  Dá eca. Acredite em mim.

As análises multivariadas iniciais consistem de ANOVA, ANCOVA  e regressão múltipla, dependendo de o objetivo ser verificar diferenças entre grupos ou associações entre variáveis.

Para construir os modelos é preciso saber operacionalizar as variáveis em VD, VI e Confundidoras. Isso só pode ser feito a partir de um profundo conhecimento dos próprios dados, da literatura e da formulação explícita de hipóteses de mediação e moderação.

Antes de realizar os testes estatísticos é importante analisar se os dados satisfazem os pressupostos para as análises pretendidas. 

Dependendo dos resultados dessas análises multivariadas pode-se ter um paper pronto ou precisar ir adiante com análises mais sofisticadas.


ORGANIZAR UM LOG COM TODAS SUAS ANÁLISES

Registre e organize o que você fez. Uma boa idéia é organizar tudo em uma apresentação de PowerPoint. É possível então acessar facilmente os resultados das análises preliminares, sempre que os mesmo forem necessários, mostrá-los para seu professor ou co-autores etc.

Wednesday, February 21, 2018

INTELIGÊNCIA, ESCOLARIZAÇÃO FORMAL E TRANSTORNOS DE APRENDIZAGEM

As correlaçoes entre inteligência e desempenho escolar são altas. A inteligência geral é o principal preditor da aprendizagem escolar. Ao mesmo tempo, a escolarização promove a inteligência, principalmente mas não exclusivamente o vocabulário e a compreensão leitora. 

Uma inteligência normal é um critério importante para estabelecer o diagnóstico de transtornos específicos de aprendizagem, tais como discalculia e dislexia. É o famoso critério de discrepância. Para ser diagnosticada com dislexia, por exemplo, uma criança precisa ter um desempenho em leitura de palavras isoladas inferior à expectativa estabelecida pelo seu QI. 

O critério de discrepância para a definição e diagnóstico de transtornos específicos do desenvolvimento é criticável por diversas razões. Uma delas é que, como a inteligência e o desempenho escola se correlacionam pode haver regressão para a média aumentando o risco de diagnósticos falso positivos no caso de crianças com inteligência alta e de diagnósticos falsos negativos no caso de crianças com inteligência baixa. 

Um segundo motivo é que não existem diferenças icognitivas qualitatitavas importantes quanto aos mecanismos de aprendizagem da leitura. P. ex., as crianças com inteligência normal aprendem melhor pelo método fônico. Mas as crianças com deficiência intelectual também. E é fácil entender o porquê. A ortografia é a mesma. O diferencial da ortografia alfabética é a correlação grafema-fonema. E essa precisa ser aprendida por todas as crianças, independetemente do seu QI. Há evidências, inclusive, de que crianças com transtornos do desenvolvimento aprendem  a ler mais facilmente pelo método fônico. É que a correlação grafema-fonema depende das habilidades fonológicas, as quais  são organizadas parcialmente de forma modular e relativamente independemente da inteligência.

Um diagnóstico falso negativo é injusto porque priva uma criança com deficiência intelectual do acesso a tratamento. Um diagnóstico falso positivo também é problemático porque fabrica um transtorno e obscurece a natureza dos eventuais problemas enfrentados por crianças com inteligência mais alta. 

Na minha opinião, a diferença crucial é quanto ao prognóstico. Uma criança com inteligência normal que apresenta dificuldades para aprender a ler e não tem a natureza do seu problema reconhecido, representa um desperdício humano. O indivíduo vai acabar aprendendo a ler aos trancos e barrancos, por conta prrópria. Mas corre o risco de se transformar em u prm analfabeto funcional. Ou seja, uma pessoa que poderia fazer uso da leitura na sua vida mas fica privada dessa habilidade. Trata-se de uma potencialidade de desenvolvimento adaptativo e altamente produtivo que é jogada no lixo.

Com isso não estou dizendo que as crianças com deficiência intelectual não possam e não devam aprender a ler. Ao contrário. Não existem razões biológicas pelas quais uma criança com deficiência intelectual leve ou moderada não possa aprender a ler as palavras. A diferença final vai aparecer na compreensão leitora, que será muito mais difícil para as crianças com deficiência intelectual. Não usar os métodos adequados para ensinar crianças com defciência inteletual a aprender a ler também é uma tragédia humana. Também é um desperdício de potencial e uma fonte de sofrimento. 

A inteligência influencia a aprendizagem da leitura de duas maneiras. Nas fases iniciais de aprendizagem, de leitura de palavras, a inteligência é importante. Mas não é o fator principal. As crianças com inteligência mais alta aprendem a ler as palavras mais rapidamente. Mas as criatnças crianças com deficiência intelectual também aprendem a ler as palavras. Apenas mais lentamente.

A inteligência é crucial para a compreensão leitora. A compreensão é uma habilidade bem mais complexa que depende da habilidade de leitura de palavras, do vocabulário, da capacidade de fazer inferências verbais, memória de trabalho, da teoria da mente, dos mecanismos específicos de processamento textual etc. Enquanto a aprendizagem da leitura de palavras dura de três a quatro anos, a apreendizagem da compreensão leitora é uma tarefa para a vida. 

Os estudos longitudinais mostram que a inteligência já é importante no início, para a aprendizagem da leitura de palavras, mas vai se tornando cada vez mais importante, à medida que a ênfase progressivamente recai sobre a compreensão. 

Mas eu falei acima que a relação entre inteligência e desempenho escolar é de mão dupla. Como investigar a influência da escolarização formal sobre a int eligência? Esse é um problema cabeludo. Não há como privar as crianças do acesso ao ensino formal. A não ser em circunstâncias excepcionais. P. ex., em um  país no qual o Patrono da Educação é o Paulo Freire e no qual as crianças pobres são excluídas do acesso a um ensino público de qualidade não supreende que o desempenho em leitura seja um desastre e a inteligência populacional fique um desvio-padrão abaixo da média dos países minimamente desenvolvidos. 

Os resultados de um experimento natural no qual as crianças são privadas do acesso ao ensino formal por razões sócio-culturais foi descrito com  a população da Zâmbia (Campbell et al., 2013). Os autores avaliaram a inteligência não-verbal de mais de 1500 na Zâmbia, cerca de 40% das quais não freqüentavam a escola. Os resultado principais são mostrados na Figura 1.

Figura 1- Distribuição dos escores de inteligência não-verbal (NI) de mais 1500 crianças zambianas estratificadas por idade, sexo, localização (urbana ou rural) e escolarização (freqüentando escola ou não freqüentando escola) (Campbell et al., 2012).

Conforme se pode ver na Figura 1, os escores de NI (inteligência não-verbal) aumentam com a idade e são muito semelhantes entre meninos e meninos. Conforme previso pela teoria da seleção sexual, a distribuição dos escores nos meninos é mais espalhada. Ao menos na faixa de inteligência alta, uma vez que os autores não incluiram crianças com deficiência intelectual no estudo.

As diferenças mais pronunciadas foram observadas em função da localidade e escolarização. Residir na zona rural se associa com inteligência mais baixa. Mas a diferença mais brutal diz respeito a freqüentar a escola. As crianças fora da escola têm inteligência mais baixa e existe um efeito de dose. Um ano fora da escola já contribui para diminuir os escores de inteligência.

Um a outra coisa legal desse estudo é que a influência da escolarização é avaliada sobre a inteligência não-verbal, que depende mais da genética e menos da cultura. A escolarização não influencia apenas aspectos verbais da inteligência, tais como o vocabulário.

O ponto fraco desse "experimento natural" é a falta de controle das razões pelas quais 40% das crianças ficaram fora da escola. Essas razões poderiam estar ligadas à inteligência, invalidando o estudo. De qualquer forma, o artigo alimenta o espírito inquieto. 

Qual é a importância desse estudo para os neuropsicólogos?

1. A relação entre inteligência e desempenho escolar é de mão dupla. A inteligência prediz mas ao mesmo tempo é fortemente inluenciada pela escolarização formal. 

2. Se quisermos aumentar a inteligência e o desenvolvimento humano dos brasileiros precisamos ensinar as crianças a ler e a fazer contas.

3. Os neuropsicólogos podem ter um papel importante, diagnosticando e orientando a educação de crianças com dislexia e discalculia.

4. Os neuropsicólogos podem ter um papel importante divulgando os métodos instrucionais mais eficientes e metendo o pau nas besteiras que se comete na educação nesse País.


Referência

Campbell, D., Bick, J., Yrigollen, C. M., Lee, M., Joseph, A., Chang, J. T., & Grigorenko, E. L. (2013). Schooling and variation in the COMT gene: the devil is in the details. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 54(10), 1056-1065.







Saturday, February 03, 2018

O ICEBERG DA DISLEXIA

Urge ˜problematizar” a dislexia. De tal forma que ela seja diagnosticada e tratada. De tal forma que sejam usados os métodos instrucionais mais adequados, que possam, inclusive, contribuir para sua prevenção.  

Em um estudo conduzido por Barbiero e cols. (2012) com mais de 1500 crianças a prevalência de discalculia na Itália foi estimada como sendo 3%. Em 2/3 dos casos o problema não havia sido reconhecido anteriormente.




Isso significa que a dislexia é sub-diagnosticada e as crianças ficam sofrendo com as conseqüências das suas dificuldades de leitura, muitas vezes por anos. Pais e professores pensam que elas são burras ou mal-comportadas e adotam as medidas punitivas que consideram pertinentes. As crianças, por sua vez, também se consideram burras ou preguiçosas e têm sua auto-eficácia abalada. Ou então se revoltam. 

O diagnóstico não serve apenas para rotular ou estigmatizar. O diagnóstico é libertador das nóias.


Referência

Barbiero C, Lonciari I, Montico M, Monasta L, Penge R, Vio C, Tressoldi PE, Ferluga V, Bigoni A, Tullio A, Carrozzi M, Ronfani L; CENDi (National Committee on the Epidemiology of Dyslexia) working group; Epidemiology of Dyslexia of Friuli Venezia Giulia working group (FVGwg). The submerged dyslexia iceberg: how  many school children are not diagnosed? Results from an Italian study. PLoS One. 2012;7(10):e48082. doi: 10.1371/journal.pone.0048082.

O MÉTODO FÔNICO FUNCIONA PARA A DISLEXIA?

As evidências disponíveis indicam que sim. Ao menos para falantes do inglês. McArthur e cols. conduziram uma meta-análise em 2012 procurando responder a essa pergunta. Eles conseguiram localizar 11 estudos com quase 800 participantes que satisfaziam requisitos metodológicos mínimos relacionados ao diagnóstico, presença de grupo controle e qualidade da intervenção.



Os resultados indicaram melhoras estatisticamente significantes e com magnitudes de efeito dignas de nota para a precisão da leitura de palavras (d = 0,47) e pseudopalavras (d = 0,76) bem como para o conhecimennto da correspondência entre letras e sons (d = 0,36).

Os efeitos para a fluência de leitura (d = -0,51) e ortografia (d = 0,36) foram consideráveis mas  não atingiram significância estatística. Isso se deveu, provavelmente, ao reduzido número de estudos de boa qualidade disponíveis.

Interessantemente, os efeitos do treinamento fônico sobre a compreensão leitora foram desprezíveis (d = 0,17) e não atingiram níveis de significância estatística.                                                               
Take home message

Os resultados sugerem que os mecanismos implicados na precisão, fluência, ortografia e compreensão       leitora são ao menos parcialmente independentes e precisam ser especificamente considerados no diagnóstico e intervenção.

                                  
Referência
                                                                     
McArthur G, Eve PM, Jones K, Banales E, Kohnen S, Anandakumar T, Larsen L, Marinus E, Wang HC, Castles A. Phonics training for English-speaking poor readers. Cochrane Database of Systematic Reviews 2012, Issue 12. Art. No.: CD009115. DOI: 10.1002/14651858.CD009115.pub2.