Sunday, May 14, 2017

O QUE SÃO ENDOFENÓTIPOS E QUAL SUA RELEVÂNCIA PARA A DISLEXIA?


Endofenótipos são fenótipos intermediários situados entre o nível etiológico (interação entre genes e a experiência) e o nível fenotípico (Bishop & Rutter, 2009, Gottesman & Gould, 2003). O conceito de endofenótipo foi proposto para explicar as complexidades dos mecanismos intermediando as influências gênicas e ambientais sobre a expressão fenotípica.




Os resultados do Projeto Genoma Humano mostraram que a coisa é muito mais complicada do que os pesquisadores supunham inicialmente: a) O número de genes do genoma humano é bem menor do que se pensava; b) Apenas uma pequena fração dos genes está envolvido na codificação de proteína, o resto são genes regulatórios ou regiões com função ainda não identificada; c) A expressão dos genes é regulada por mecanismos complexos, resultantes da itneração de múltiplos genes e do ambiente, os quais determinam o timing e os tecidos nos quais o processo ocorrerá.

A descoberta da complexidade do genoma e das suas interações com o ambiente propiciou o desenvolvimento de uma nova área de pesquisa, a epigenética. A epigenética investiga o modo como as influências genéticas interagem com as influências ambientais na expressão do fenótipo. Os caminhos são complexos, envolvendo a interação de diversos genes com influências ambientais em múltiplos níveis de inúmeros rotas metabólicas.

É uma compliqueira. A possibilidade de que cada gene codifique um traço fenotípico é a exceção das exceções uma vez que o número de genes é muito inferior ao número de traços fenotípicos. As vias epigenéticas percorrem um trajeto entre múltiplos genes e múltiplos fenótipos. As relações de um para um são uma commodity escassa.

O conceito de endofenótipo surgiu então para tentar reduzir essa complexidade e permitir aos pesquisadores deslindar as vias epigenéticas entre a etiologia e fenótipo. O fenótipo do indivíduo pode ser concebido como a expressão de uma malha de endofenótipos entrelaçados.

Os endofenótipos podem ser definidos em vários níveis. Dois níveis extremamente relevantes para a neuropsicologia são o neurobiológico e o cognitivo. Os endofenótipos neurobiológicos podem ser definidos como padrões de atividade de substâncias neuromoduladoras ou como variações anátomo-funcionais investigadas com neuroimagem. Os endofenótipos cognitivos dizem respeito aos mecanismos de processamento de informação implicados e identificados através do exame neuropsicológico.

Um estudo realizado por Landi e cols. (2013) pode ilustrar a relevância do conceito de endofenótipo para o estudo da dislexia. A ezima COMT (catecol-orto-metil-transferase) desepenha um importante papel no metabolismo da dopamina no córtex pré-frontal. A COMT é a única via para a degradação da dopamina na fenda sináptica no córtex pré-frontal. A COMT atua então como um importante regulador da biodisponibilidade de dopamina nas sinapses prefrontais.

A COMT apresenta um polimorfismo populacional na região do códon 158 (val158met). O alelo Met se associa com baixa atividade da COMT propiciando uma ação mais duradoura da dopamina enquanto o alelo Val se relaciona com maior atividade da COMT fazendo com que a atividade da dopamina dure menos tempo. O alelo Met se associa com melhor desempenho em memória de trabalho e níveis mais altos de ansiedade. O alelo Val se associa com pior desempenho em memória de trabalho e impulsividade (Dickinson & Elvevag, 2009, Stein et al., 2006).

Landi e cols. (2013) descobriram que o alelo Met se associa a melhor desempenho em diversos testes relacionados à leitura, tais como consciência fonológica e ortografia. Os portadores do alelo Met também apresentaram maiores níveis de ativação funcional das áreas relevantes para a leitura no hemisfério esquerdo, o córtex occípito-temporal ínfero-lateral, o córtex temporal súpero-posterior e o córtex frontal ínfero-lateral.

A partir dos resultados do estudo de Landi e cols. é possível supor que o processamento fonológico/ortográfico e os níveis de ativação occipito-temporo-frontal esquerdos constituem candidatos a endofenótipos para a dislexia, respectivamente, nos níveis cognitivo e neural. Adicionalmente, o estudo sugere também que a regulação da dopamina pela COMT pode ser um mecanismo genético subjacente a variabilidade de expressão desses endofenótipos.

Outros estudos são consistentes com a hipótese de que o processamento fonológico pode ser um endofenótipo cognitivo da dislexia (Mascheretti et al., 2015) e com a hipótese de que diferentes padrões de ativação neural também constituem endofenótipos da dislexia (Eicher & Gruen, 2013). Mas os genes envolvidos variam de um estudo para outro, indicando que a coisa é realmente, muito, mas muito complicada mesmo. Os pesquisadores estão identificando pecinha a pecinha de um gigantesco quebra-cabeça. A big picture ainda está longe. Quem viver verá.

Referências

Bishop, D. V. M. & Rutter, M (2009).Neurodevelopmenal disorders: conceptual issues. In M. Rutter, D. V. M. Bishopt, D. S. Pine, S. Scott, J. Stevenson, E. Taylor & A. Thapar (Orgs.) Rutter’s child and adolescent psychiatry (5a. ed., pp. 32-41). Oxford: Blacwell.

Dickinson, D. & Elvevag, B. (2009). Genes, cognition and brain through a COMT lens. Neuroscience, 164, 72-87.

Eicher, J. D., & Gruen, J. R. (2013). Imaging genetics in dyslexia: connecting risk genetic variants to brain neuroimaging, and ultimately to reading impairments. Molecular Genetics and Metabolism, 110, 201-212.

Gottesman, I. I., & Gould, T. D. (2003). The endophenotype concept in psychiatry: etymology and strategic intentions. American Journal of Psychiatry, 160, 636-645.

Landi, N., Frost, S. J., Mencl, W. E., Preston, J. L., Jacobsen, L. K., Lee, M., Yrigollen, C., Pugh, K. R., & Grigorenko, E. L. (2013). The COMT val/met polymorphism is associated with reading-related skills and consistent patterns of functional neural activation. Developmental Science, 16, 13-23.

Mascheretti, S., Facoetti, A., Giorda, R., Beri, S., Riva, V., Trezzi, V., Cellino, M. R., & Marino, C. (2015). GRIN2B mediates susceptibility to intelligence quotient and
cognitive impairments in developmental dyslexia, Psychiatric Genetics, 25, 9-20.

Stein, D. J., Newman, T. K., Savitz, J., & Ramesar, R. (2006) Warriors versus Worriers: the role of COMT gene variants. CNS Spectrum, 11, 745-748.

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