Saturday, October 15, 2016

QUAL É O PRINCIPAL CONSELHO?



Diz o provérbio que se conselho fosse bom, ninguém daria de graça. Qual é o sentido então de argumentar que um aconselhamento precisa ser parte integral da avaliação neuropsicológica? O aconselhamento neuropsicológico não consiste em um processo de ficar palpitando na vida dos outros, mas sim de ajudar o cliente a compreender melhor sua situação, desenvolver uma explicação cientificamente fundamentada e social e pessoalmente aceitável da natureza dos seus problemas e recursos, ao mesmo tempo em que identifica as alternativas viáveis de desenvolvimento e suas conseqüências. Idealmente, o aconselhamento neuropsicológico é uma modalidade breve  e não diretiva de intervenção. O aconselhamento neuropsicológico tem suas limitações, mas geralmente é muito eficaz.

Em algumas situações, entretanto, o neurosicológo precisa ser um pouco mais diretivo com seus clientes. Qual seria então o principal conselho?

O principal conselho é: não punir as crianças, não pressionar, não xingar e não bater. Esse argumento é desenvolvido em um artigo que publicamos no periódico  Pedagogiaem Ação. Reproduzo a secção pertinente abaixo.


COMO LIDAR COM AS DIFICULDADES DE C OMPORTAMENTO E APÇRENDIZAGEM?
As dificuldades de comportamento e aprendizagem, muitas vezes não apropriadamente reconhecidas, e as abordagens educacionais inadequadas são um importante fator agravante de sintomas e déficits, podendo contribuir para as dificuldades que pais e professoras enfrentam no estabelecimento de uma disciplina eficaz (Haase et al., 2009). Independentemente da faixa etária e etiologia, as queixas, relacionadas a comportamentos agressivos e/ou desafiadores e desobedientes constituem problemas recorrentes enfrentados por familiares de pessoas com transtornos neuropsiquiátricos (Haase et al., 2012).

A tradição behaviorista em psicologia desenvolveu um conjunto de conceitos e métodos, os quais podem ser aplicados com sucesso aos problemas comportamentais no contexto neuropsicológico (Kazdin, 1994). O diagnóstico comportamental se baseia na análise funcional. A família aprende a realizar o chamado ABC do comportamento. É instituída um monitorização do comportamento problemático, procurando precisá-lo descritivamente e caracterizando sua freqüência de ocorrência. Para cada ocorrência do comportamento problemático (B) são registrados e analisados os antecedentes (A) e as conseqüências (C). O behaviorismo parte do pressuposto de que os comportamentos são eliciados por eventos ambientais e reforçados pelas suas conseqüências. Um comportamento inadequado pode ter sua freqüência reduzida controlando os seus antecedentes ou eliciadores, mas a técnica mais eficaz de modificação do comportamento é alterar sistematicamente as suas conseqüências.

A caracterização das conseqüências no modelo ABC constitui a chave para identificar a função do comportamento, ou seja, a contingência que explica a relação entre o comportamento, seus antecedentes e suas conseqüências. A análise funcional do comportamento tem demonstrado que os comportamentos inadequados das crianças se associam a um repertório restrito de funções, entre as quais estão 1) a necessidade de acesso a reforçadores tais como atenção, comunicação ou tangíveis, 2) a esquiva ou evitação de punições ou estímulos aversivos, e 3) a auto-estimulação por excesso ou falta de estímulos.

A análise funcional permite identificar em um grande número de famílias de crianças portadoras de transtornos do neurodesenvolvimento  um ciclo vicioso de interações, na maioria das vezes coercivas, as quais incentivam os comportamentos desadaptativos em detrimento dos adaptativos (Gauggel, Konrad & Wietasch, 1998, vide Figura 1). O perfil de desempenho da criança pode ser caracterizado em termos de déficits e excessos comportamentais. Entre os déficits podem ser descritos a apatia, dependência e dificuldades cognitivas etc. Os excessos são ilustrados pela agressividade, teimosia, desobediência etc. As dificuldades da criança representam para a família uma perda de acesso a reforçadores. A criança é percebida como menos digna, não correspondendo mais às idealizações prévias. Os familiares reagem de forma ambivalente, com raiva e frustração, por um lado, e superproteção e incentivo à dependência por outro. A atenção dos familiares se concentra nas dificuldades. Os comportamentos adequados e habilidades eventualmente preservados são ignorados. Essa atenção seletiva para os problemas e negligência das potencialidades da criança constitui uma forma de reforçamento diferencial, a qual apenas agrava as dificuldades do paciente, formando um ciclo vicioso.


Figura 1 – Ciclo vicioso das interações em famílias de pessoas com transtornos neuropsiquiátricos (Modificado a partir de Gauggel, Konrad & Wietasch, 1998).

Sem exagerar, é possível afirmar que os mecanismos de reforçamento diferencial dos comportamentos inadequados e déficits podem ser observados em praticamente todas as famílias de crianças portadoras de transtornos neuropsiquiátricos. Esta constatação deriva da experiência clinica e torna a abordagem comportamental extremamente relevante para a promoção do bem estar nestas famílias e do desenvolvimento das crianças. Sempre é possível intervir psicologicamente para reforçar o sistema familiar e modificar a adaptabilidade dos comportamentos, desde que exista uma mãe ou um pai disposto a trabalhar cooperativamente com a equipe de profissionais. Os procedimentos de modificação do comportamento são implementados com a ajuda de um co-terapeuta, geralmente um familiar, utilizando um delineamento quase-experimental de casos isolados, o qual permite avaliar a eficácia das intervenções (Horton & Miller, 1994).

Um dos modelos mais bem sucedidos de intervenção comportamental para crianças com transtornos do desenvolvimento é o programa de treinamento de pais (PTP) desenvolvido no Laboratório de Neuropsicologia do Desenvolvimento da UFMG (Pinheiro & Haase, 2012, Pinheiro et al., 2006). O PTP consiste de uma intervenção cognitivo-comportamental breve, com duração de 12 semanas, para capacitar os pais a manejar problemas disciplinares e comportamentos indesejáveis em crianças portadoras de transtornos de desenvolvimento ou lesões cerebrais (de Freitas, Carvalho, Leite & Haase, 2005, de Freitas, Dias, Carvalho & Haase, 2008, Haase, de Freitas, Natale & Pinheiro, 2002). O PTP trabalha a partir de uma filosofia pedagógica não-coerciva. O objetivo principal do programa é capacitar os pais a trabalhar colaborativamente com seus filhos, diminuindo o número de comportamentos adversativos e aumentando os comportamentos pró-sociais dos filhos. Os pais aprendem a disciplinar os filhos através do incentivo e cooperação, sem recorrer ao uso de punições.


Referência

Haase, V. G., Oliveira, L. F. S., Pinheiro, M. I. S., Andrade, P. M. O., Ferreira, F. O., de Freitas, P. M., Jaeger, A., & Teodoro, M. M. (2016). Como a neuropsicologia pode contribuir para a eeucação de pessoas com deficiência intelectual e;ou autismo? Pedagogia em Ação, PUCMinas.

No comments:

Post a Comment