Sunday, June 26, 2016

Como as crianças aprendem na escola? Contribuições das ciências cognitivas e comportamentais



1.   O que é aprendizagem?

Aprendiazagem é o processo pelo qual o cérebro-mente modifica sua estrutura em função da experiência. A aprendizagem é o processo, a memória ou conhecimento o resultado. O objetivo da aprendizagem é a modificação da memória de longo prazo.


2.   Existe um mecanismo neural genérico de aprendizagem?

O cérebro é concebido como uma grande rede associativa. A sinapse e não o neurônio é a sua unidade funcional. A experiência modifica os padrões de conectividade sináptica no cérebro. O mecanismo pelo qual os padrões de conectividade se modificam são os mesmos no desenvolvimento, aprendizagem e recuperação funcional. O envelhecimento reflete a redução da plasticidade sináptica. O mecanismo neural da aprendizagem é a plasticidade sináptica dependente de atividade ou lei de Hebb. Grupos de neurônios que são ativados simultaneamente em função de algum estímulo evento ou experiência tendem a reforçar sua conectividade sináptica, diferenciando-se em assembléias neurais ou redes associadas a processos psicoógicos específicos. Grupos de neurônios que não descarregam em sincronia têm sua conectividade mútua enfraquecida.


3. Quais são as principais formas de aprendizagem, relevantes para o contexto escolar?

A aprendizagem e memória podem ser não-declarativas ou declarativas. As memórias não-declarativas são aquelas que não podem ser traduzidas em enunciados verbais ou lógicos com valor de verdade. As principais formas de aprendizagem não-declarativa relevantes para o contexto escolar são os condicionamentos respondente e operante. As principais formas de aprendizagem declarativa são a aprendizagem conceitual e factual.


4.   O que é, qual é a base neurocognitiva e qual a relevância educacional do condicionamento respondente?

O condicionamento respondente, clássico ou pavloviano. é uma forma de aprendizagem na qual um comportamento reflexo ou previamente adquirido passa a ser eliciado por um estímulo que anteriormente não era eficiente em desencadeá-lo. A emoção de medo é desencadeada por estímulos percebidos como ameaçadores, tendo uma natureza reflexa. Experiências negativas na sala de aula, relacionadas ao fracasso em resolver atividades, reprimenda por parte de pais e professores ou chacota por parte dos colegas podem ser associadas a experiências aversivas desencadeando medo ou ansiedade de desempenho. O condicionamento de medo se estabelece a partir de  modificações sinápticas na amígdala, as quais são moduladas pelo córtex associativo peceptual (condicionamento discriminante), hipocampo (condicionamento contextual) e corte pré-frontal (extinção).


5.   O que é, qual é a base neurocognitiva e qual a relevância educacional do condicionamento operante?

O condicionamento operante é a forma pela qual  comportamentos exploratórios do ambiente são associados a suas conseqüências. Quando solicitada a resolver uma dada tarefa escolar a criança pode proceder por tentativa e erro até encontrar a solução. Uma vez encontrada a solução, a mesma é reforçada e tende a ser emitida no futuro sempre que a criança se confrontar com um problema semelhante. O condicionamento operante é o mecanismos da formação de hábitos e a aquisição de procedimentos. O mecanismo neural do condicionamento operante é a formação de associações entre representações do comportamento e das suas conseqüências hedônicas nos gânglios da base. O processo de condicionamento operante é modulado pela atividade dopaminégica oriunda do mesencéfalo. Sempre que  um comportamento é associado de forma inesperada a uma conseqüência, o sistema dopaminérgico é ativado.  O sistema dopaminérgico desepenha então um papel importante na sinalização de novidade, na curiosidade e na consolidação dos condicionamentos operantes.


6.   Qual é a arquitetura cognitiva mínima para a aprendizagem declarativa?

A aprendizagem declarativa também se processa de modo associativo no cérebro. Mas a sua arquitetura é um pouco mais complexa, dependendo da interação de sistemas mais diferenciados. Uma arquitetura mínima para a aprendizagem declarativa é comporta pela memória de longo prazo, memóerita de trabalho e motivação (vide Figura 1).

Figura 1 – Arquitetura cognitiva simples para a aprendizagem escolar. A aprendizagem depende de três componentes cognitivos. A memória de longo prazo é o sistema dinâmico e ilimiatado quanto à capacidade de representação de conhecimento, o qual é modificado permanentemente como resultado da aprendizagem. A memória de trabalho é o componente ativo, com capacidade limitada, que armazena temporariamente a informação, processando-a através de resgate a partir da memória de longo prazo, reconfiguração de associações, regulação da atividade mental e planejamento e controle das respostas. A motivação é a fonte energética que mantém a memória de trabalho ativa enquanto for necessário para que a aprendizagem se processe.

A memória de longo prazo não é um repositório passivo de informação mas uma estrutura dinâmica e flexível de conhecimento. A memória de longo prazo tem a estrutura de uma rede associativa, na qual os conhecimentos são representados de forma fragmentária e geograficamente dispersa por amplas regiões do córtex cerebral. A memória de longo prazo facilita a aprendizagem na medida em que permite a assimilação de informação nova à informação antiga. Simultaneamente, as estruturas de conhecimento na memória de longo prazo se acomodam à nova informação. Os fatos aritméticos são aprendidos em ordem crescente de dificuldade. Primeiramente são apresentados os números menores (p. ex., 2 x 3) e posteriormente os números maiores (3 x 2). O fato de que é mais fácil processar 3 x 2 do que 2 x 3 sugere que a memoria semântica reorganiza as representações dos fatos aritméticos e os  mesmos não são armazenados como simples cadeias de estímulos e respostas.
A memória de trabalho é o motor que ativa a memória de longo prazo durante a aprendizagem. A memória de trabalho recebe e processa a informação oriunda do ambiente. A memória de trabalho resgata e armazena a informação da memória de longo prazo. Na memória de trabalho são comparadas, associadas e compiladas as informações provenientes do ambiente e da memória de longo prazo. A memória de trabalho corresponde a todos os sistemas neurais ativos em um determinado momento e ao conteúdo dos quais o indivíduo tem acesso introspectivo. As estruturas do córtex pré-frontal, principalmente dorsolateral, são responsáveis pelos mecanismos associativos subjacentes à aprendizagem conceitual, tais como abstração e categorização. O hipocampo está envolvido na consolidação da aprendizagem conceitual como memória factual e no resgate da mesma. As principais características da memória de trabalho são a duração temporal fugaz e a limitação da capacidade de armazenamento e processamento. Se a informação não é refrescada na memória de trabalho ela decai em alguns segundos.  A capacidade representacional na memória de trabalho é de 6 a 7 bits e a capacidade de processamento é menor ainda, de 4 a 5 bits.
A motivação é a fonte energética que mantém o motor da memória de trabalho ativo. As limitações de duração e capacidade da memória de trabalho fazem da aprendizagem declarativa um processo complexo, que exige atenção e esforço. A ativação da memória de trabalho pode ser aversiva. As pessoas gostam dos resultados do pensamento, mas evitam o esforço de pensar. Ninguém nasce gostando de estudar. O gosto pelo estudo é adquirido sendo mediado cognitivamente. Para aprender a gostar de estudar o indivíduo precisa postergar a recompensa. Ou seja, precisa abrir mão de uma recompensa  menor imediata, como brincar, por uma recomopensa maior porém abstrata e projetada no futuro, como tirar boas notas ou passar no ENEM. A ativação da memória de trabalho requer, portanto, persistência e motivação.


7.   Como se processa a aprendizagem declarativa?

Quando surge uma situação problema, cria-se uma representação da mesma na memória de trabalho. Inicia-se então o processo de busca na memória de longo prazo por uma solução previamente adquirida. Caso seja encontrada uma solução na memória de longo prazo, o problema está resolvido e o indivíduo pode tratar da vida. Quando não existe uma solução previamente armazenada, duas são as alternativas: buscar a solução no ambiente ou criar uma nova solução, adaptando recursos previamente empregados para resolver problemas semelhantes. Quando a solução está facilmente acessível no Prof. Google ou na Dra. Wikipedia o problema está novamente resolvido. Quando não há uma solução de fácil acesso no ambiente, o indivíduo precisa pensar.
Pensar é uma atividade aversiva envolvendo processamento controlado, o qual requer atenção, custa esforço, é demorado, tem capacidade limitada e é muito sujeito a erro. As pessoas fogem do pensamento como o Diabo da Cruz. O pessoal somente recorre ao pensamento em último caso. Assim sendo, a formação de hábitos ou automatização é uma alternativa viável para reduzir a sobrecarga de memória de trabalho subjacente ao pensamento. William James considerava que a educação é a formação de hábitos e que a pessoa educada é aquela que cultiva bons hábitos. Quanto mais problemas puderem ser resolvidos no piloto automático, através de soluções previamente aprendidas e automatizadas, mais capacidade de processamento restará para o pensamento criativo ou para o lazer. O processamento automático é rápido, não requer atenção nem custa esforço, tem capacidade ilimitada e é pouco sujeito a erro. O problema com o processamento automático é a falta de flexibilidade e a especificidade de contexto. A solução de problemas novos requer processamento controlado. A automatização ou criação de hábitos ou conhecimento factual rapidamente resgatável é importante porque libera recursos escassos de processamento na memória de trabalho. A automatização é, inclusive, um pré-requisito para o pensamento crítico e criativo. O pensamento crítico e criativo torna-se impossível se o indivíduo é forçado a gastar seus escassos e preciosos recursos de processamento com as tarefas mais triviais. A seqüência de ativação cerebral no processo de aquisição de habilidades vai da ativação de regiões corticais anteriores nas fases iniciais. nas quais o processamento é controlado, para a ativação progressiva de áreas corticais posteriores ou subcorticais, à medida que ocorre a automatização.


8.   De onde vem a motivação para o estudo e como promove-la?

A motivação para o estudo é adquirida, sendo mediada cognitivamente pelos resultados e comportamentalmente pelo reforçamento. As fontes da motivação podem ser endógenas ou exógenas. A inteligência e o temperamente são as principais fontes de variação interindividual que afetam a motivação. Crianças mais inteligentes têm mais facilidade e, portanto, são mais facilmente motiváveis para o estudo. Crianças com temperamento impulsivo têm mais dificuldade para postergar a recompensa e, portanto, para implementar a mediação cognitiva necessária para adquirir o gosto pelo estudo.
As fontes exógenas da motivação são as experiências de sucesso e as crenças dos adultos. Quando a criança estuda e obtém um bom resultado, aumenta sua crença de que ela consegue resolver um dado tipo de tarefa (auto-eficácia) e a motivação para o estudo. Quando a criança obtém um resultado pior porque não se esforçou ou porque a tarefa era muito acima das suas possibilidades, a auto-eficácia diminui e com ela a motivação para o estudo. A experiência pessoal de sucesso é a pedra fundamental da auto-eficácia. A persuasção verbal apenas ajuda a destruir a auto-efiácia mas não a construí-la. A calibração do currículo à capacidade do aluno é a chave para a promoção da auto-eficácia e motivação para o estudo. Se o currículo é pecebido como muito difícil ou muito fácil, a motivação diminui. A motivação aumenta quando o currículo é percebido como estando ao alcance do individuo com um pequeno esforço.
As crenças dos adultos são outro fator motivador poderoso. Se pais ou professores acreditam que uma criança tem talento para aprender, a criança recebe mais atenção, atenção de melhor qualidade, mais explicações, mais correções, mais oportunidades para aprender e demonstrar seus conhecimentos, mais reforçadores etc. Assim, a criança acaba aprendendo mais.
O contrário acontece quando pais e professores acreditam que a criança tem menor potencial para aprender ou quando o comportamento da criança é percebido como inadequado. Nesses casos, o comportamento inadequado ou a dificuldade de aprendizagem são colocados em evidência sob a forma de punições, tais como reprimendas ou castigos. A conseqüência é que as dificuldades apenas aumentam e não diminuem.
A análise aplicada do comportamento desenvolveu ferramentas psicológicas eficazes para promover a motivação para o estudo, tais como a aprendizagem sem erro baseada na individualização do currículo, a atenção positiva e o reforçamento diferencial.


9. Quais são as implicações educacionais do conhecimento sobre os mecanismos neurocognitivos e comportamentais implicados na aprendizagem?

Todas as as formas de conhecimento, tais como hábitos, habilidades, procedimentos, fatos, conceitos, atitudes e valores importam. Nenhuma forma de conhecimento ou aprendizagem deve ser priorizada sobre as outras. Os métodos de ensino devem se adquar ao tipo de conhecimento a ser aprendido. A aprendizagem por imitação e colaboração/descoberta sobrecarregam a memória de trabalho em situações pouco estruturadas. A criança tende a proceder por tentativa e erro, consumindo recursos escassos e preciosos na descoberta da solução, a qual não é garantida, restando menos recursos para a aprendizagem propriamente dita. A instrução, o exercício e a prática desempenham um papel fundamental na aprendizagem conceitual e factual. Duas estratégias instrucionais poderosas são os exemplos ilustrados e a instrução programada. A motivação pode ser promovida através da aprendizagem sem erro, atenção positiva e reforçamento diferencial.



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