Thursday, April 28, 2016

As mazelas do construtivismo

A filosofia construtivista tem sido o paradigma dominante na educação nos últimos cinqüenta anos (Christodoulou, 2014, Sweller, Ayres & Kalyuga, 2011, Willingham, 2011; vide também Haase et al., 2012, 2015, no prelo). Pode-se discutir até que ponto o construtivismo tem sido realmente implementado como uma filosofia educacional. Tal como o comunismo, o construtivismo real fica muito longe do ideal. Mas é inegável que a abordagem construtivista é a dominante na formação de professores. Isso se reflete, p. ex., na ênfase curricular em autores do século passado, tais como Wallon, Vygotsky e Piaget, o mais jovem dos quais faleceu no início da década de 1980.

A ênfase na filosofia construtivista origna-se de uma abordagem romântica à educação, a qual negligencia as diferenças individuais, as limitações na capacidade de informação, o papel da transmissão de conhecimento, o treinamento de habilidades até sua automatização. A ênfase recai sobre a estimulação da curiosidade, atividade e inventividade do aluno em situações-problema pouco estruturadas e muitas vezes mal definidas. Os métodos instrucionais foram sendo progressivamente abandonados. Há uma tendência também para atenuar o papel e autoridade do professor como detentor e transmissor de conhecimento.

De um modo geral, o aprendiz é concebido como um ser quase omnisciente e totipotente, o qual é auto-motivado para a aprendizagem escolar e isento das limitações impostas pela variabilidade populacional dos mecanismos neurocognitivos subjacentes à aprendizagem. Disto resultam expectativas irrealistas quanto à capacidade de aprendizagem e uma negligência e descuido em relação às dificuldades apresentadas por muitos alunos, as quais podem derivar de variabilidade genética intrínseca ao individuo.

No construtivismo, o aluno é modelado como um epistemólogo. Ou seja, como alguém que se utiliza de recursos cognitivos típicos de um cientista ou filósofo para resolver situações-problema. Essa metáfora do aprendiz como epistemólogo ignora as limitações e viéses de processamento de informação característicos do cérebro imaturo. Ocorre também que a Humanidade já encontrou soluções eficientes para muitos desses problemas há séculos. Não seria então mais eficiente simplesmente transmitir esses conhecimentos de uma geração para outra? Ao invés de ficar propondo às crianças que reinventem a roda a cada geração.

As características descritas da abordagem construtivista se fundamentam mais em pressuposições filosóficas do que em evidências empíricas. O resultado foi um descolamento progressivo da formação dos educadores e de sua prática dos avanços ocorridos na psicologia, principalmente nas ciências cognitivas, e mais recentemente nas neurociências.

Nesse meio tempo as ciências cognitivas, e atualmente a neurociência cognitiva, têm feito progressos notáveis na compreensão dos mecanismos cognitivos e motivacionais subjacentes à aprendizagem escolar (Christodoulou, 2014, Sweller, Ayres & Kalyuga, 2011,  Willingham, 2011).

Nós aprendemos, p. ex., que a capacidade de processamento na memória de trabalho é limitada e que, portanto, situações mais formais e estruturadas de aprendizagem podem ser mais propícias à aprendizagem, principalmente para alunos que têm dificuldades. Os métodos instrucionais e os exercícios ilustrados não podem ser negligenciados. Situações pouco estruturadas são adequadas para a aprendizagem de alunos mais bem dotados, mas sobrecarregam a capacidade de processamento de informação de alunos com dificuldades. O risco é que o aluno gaste seus recursos cpgnitivos  escassos na busca da solução de problemas, prejudicando a memorização.

O acúmulo de conhecimento factual e procedimental destaca-se como um dos principais preditores do sucesso na aprendizagem escolar. A educação não pode prescindir da transmissão de conteúdos, o que é uma das suas principais missões. De quanto mais conteúdo o aluno dispuser, mais fácil será a aprendizagem. Da mesma forma, a educação não pode prescindir da automatização de habilidades que constituem pré-requisitos para formas mais avançadas de conhecimento. Aprender não se resume a comopreender. Após compreender o aluno precisa aplicar o conhecimento em contextos diversos, associando-o a conhecimentos previamente adquiridos. O processo de automatização leva, inclusive, a novos insights que aumentam a compreensão. Não existe incompatibilidade entre compreensão e conhecimento factual e procedimental. Ao contrário, a compreensão depende de uma base conceitual e de habilidades previamente adquiridas.

O papel do aprendiz precisa ser ativo e não passivo. Mas a atividade crucial para a aprendizagem é a atividade cognitiva. Ou seja, a capacidade de relacionar de forma significativa novos conteúdos àqueles previamente aprendidos. Isso requer esforço e elaboração dos conteúdos sob a forma de exercícios. A atividade comportamental, externamente observável, como p. ex. o engajamento em projetos divertidos não garante a aprendizagem se não houver engajamento cognitivo. Muitos projetos desenvolvidos em sala de aula não passam de circo. As atividades podem ser interessantes e lúdicas, mas se o aluno não compreende o modo como elas se inserem em um universo conceitual e factual mais amplo, de pouco adiantam.

Os construtivistas se preocupam em tornar as atividades escolares mais atrantes para os alunos, mais próximas ao seu contexto de vida. Mas freqüentemente esquecem que o objetivo da educação não é ensinar aquilo que os alunos já sabem ou aquilo que aprenderiam por conta própria de qualquer maneira. O objetivo primordial da educação é propiciar o acesso do indivíduo a uma esfera mas elevada, complexa e abstrata de conhecimento. A qual não é particularizante mas generalizante. A contextualização deve ser apenas um veículo e não o objetivo da educação. A qual se constitui em ferramente indispensável para a ascesão social. Prender o aluno ao seu contexto de vida signifa tolher suas oportunidades de ascensão social.

A aprendizagem deve ser lúdica, prazeirosa e motivadora. Mas há limites para o que se consegue fazer. Alguns aspectos do processamento de informação, algumas habilidades tais como a velocidade de decodificação de palavras ou os fatos aritméticos, precisam ser automatizadas. E essa automatização requer exercícios continuados.

Segundo Geary (2005), as habilidades cognitivas subjacentes ao desempenho escolar podem ser classificadas em biologicamente primárias e secundárias. São exemplos de habilidades primárias o senso numérico e a linguagem oral. Os seres humanos são intrinsecamente dotados cognitivamente e motivacionalmente para a aquisição de habilidades primárias. A aquisição de habilitades primárias ocorre no contexto cultural natural em que o indivíduo vive. Não há necessidade de nenhuma peddagogia específica. As pessoas aprendem a falar espontaneamente.

O caso das habilidades cognitivas biologicamente secundárias é totalmente distinto. A aquisição de haiblidades secundárias, tais como a leitura e o sistema arábico de notação numérica, requer a intervenção de uma pedagogia formal. E pior ainda, os humanos não são dotados de uma motivação intrínseca para a aprendizagem dessas habilidades secundárias. Além de depender de instrução formal, a aquisição de habilidades secundárias depende de uma motivação que é cognitivamente mediada pela necessidade de adquirir controle sobre o ambiente. 

O foco excessivo no contexto de vida do aluno, principalmente dos mais pobres, e nas atividades lúdicas carrega consigo o risco de um importante efeito colateral. O efeito colateral é que os alunos aprendam apenas aquilo que aprenderiam por conta própria e não aprendam aquelas habilidades e conhecimentos para os quais uma pedagogia formal é indispensável.

As diferenças inter-individuais são negligenciadas. O papel que a inteligência geral e sua distribuição populacional desempenha na aprendizagem escolar não é reconhecido. Ao mesmo tempo, variações em habilidades específicas tais como o processamento fonológico, senso numérico ou habilidades sociais são negligenciadas. O resultado é que os alunos com menor potencial intelectual ou com dificuldades cognitivas específicas apresentam dificuldades e não têm suas necessidades atendidas.

A motivação cognitivamente mediada para a aprendizagem de habilidades secundárias depende crucialmente da capacidade de postergar a gratificação. Ou seja, de trocar uma recompensa menor imediata, deixar de brincar, para se engajar em atividades aborrecidas ou difíceis, estudar, com o objetivo de obter uma recompensa maior no futuro. Essa habilidade é sabidamente mais difícil para crianças impulsivas, como aquelas que recebem o diagnóstico de TDAH. Se não houver uma programação motivacional específica que atenda suas necessidades, essas crianças não desenvolverão hábitos de estudo. Participarão dos projetos divertidos em sala de aula, mas não se engajarão em atividades que são fundamentais para sua aprendizagem, tais como o para casa e o estudo propriamente dito.

A abordagem construtivista tem desprezado a transmissão do conhecimento e aquisição de habilidades em favor da formação da cidadania, consciência crítica e outros valores politicamente corretos. Isso se reflete nas chamadas atividades transversais. Os parâmetros curriculares recomendam, p. ex., que as aulas de matemática tematizem questões relacionadas a gênero, raça etc. Quer dizer, ao invés de decorar a tabuada os meninos ficam tentando resolver em sala de aula os grandes problemas sociais que afligem o mundo contemporâneo. E o que é pior, Essa palhaçada já chegou à universidade. É esoperadi qye is professores da Faculdade de ME fiquem discutindo esses temas transverias em detrimentno da ausculta cardíaca e dapercussão pulmonar. Mas fica difícil compreender como é possível promover a cidadania e consciência crítica em indivíduos que não sabem ler  as palavras nem interpretar textos, não conhecem os fatos nem conseguem resolver problemas aritméticos. Sem falar nos médicos que não sabem auscultar o coração ou percutir o pulmão. Eles até podem pegar o pulso do cliente. Mas tudo se resume a um grande teatro.

Finalmente, o construtivismo se caracteriza pela negação de que muitas atividades essenciais para a aprendizagem são percebidas como tediosas e aversivas por muitos alunos. Não existe um método de ensino mágico, de aprendizagem garantida através da diversão e sem esforço. Nem todas as atividades escolares são intrinsecamente motivadoras. E algumas podem ser mesmo aversivas. Principalmente para crianças impulsivas que têm dificuldades para postergar a recompensa e se engajar em atividades aborrecidas no curto prazo para receber recompensas maiores no longo prazo. O engajamento dos alunos em tarefas mais complexas e menos lúdicos requer, portanto, medidas comportamentais explícitas para promover a motivação, tais como aprendizagem sem erro, reforçamento diferencial e auto-manejo das expectativas dos professores.

Essas são apenas algumas questões das quais o construtivismo passa bem longe. Evidências adicionais podem ser consultadas em uma literatura crescente (Christodoulou, 2004, Sweller, Ayres & Kalyuga, 2011, Willingham, 2011; vide também Haase et al., 2012, 2015, no prelo). Quais são as evidências disponíveis para o fracasso do construtivismo? Os estudos meta-analíticos mostram de forma bastante convincente que os métodos de ensino mais estruturados e mais baseados na instrução formal são mais eficientes do que os métodos menos estruturados e baseados na descoberta espontânea ou guiada (Alfieri et al., 2011, Hattie, 2009, Kroesbergen & van Luit, 2003). Mayer (2004) observou que a  ineficácia da abordagem construtivista é conhecida desde meados dos anos 1950. O que tem acontecido de lá para cá é simplesmente uma mudança sucessiva de nomes. Toda vez que um método baseado nas idéias construtivistas se mostra ineficaz, troca-se o nome sem alterar sua essência. Hoje em dia se fala em discovery learning e na Faculdade de Medicina a problem based learning virou moda. E assim a educação vai se distanciando cada vez mais das evidências científicas e do mundo real.

A popularização da abordagem construtivista ao ensino da matemática pode ser, p. ex., uma das causas do declínio progressivo no desempenho em matemática observado em coortes sucessiva da população estadounidense desde os anos 1950.  Um estudo que ilustra muito bem essa tragédia construtivista foi conduzido por Geary e cols. (1997). Os autores realizaram uma comparação transcultural e transgeracional do desempenho em aritmética de indivíduos estado-unidenses e chineses.

Como se  pode ver na Figura, para as pessoas com idades entre 60 e 80 anos, as diferenças de desempenho para os norte-americanos e chineses em computação e raciocínio aritmético não são estaticamente significativas. Foi observada, inclusive, uma discreta vantagem para os norte-americanos (com magnitudes de efeito desprezíveis para a maioria das comparações).



A situação se inverteu quando foram realizadas as comparações transculturais para as coortes mais recentes, cursando, respectivamente o 12º. e o 6º. anos (com magnitudes de efeito grandes para a maioria das comparações). Os resultados mostram que da coorte mais antiga para as coortes mais recentes há um declínio progressivo do desempenho aritmético dos estadounidenses e um aumento correspondente do desempenho dos chineses. Uma superioridade de desempenho dos estudantes chineses sobre os norte-americanos foi confirmada em diversos domínios da matemática através de um estudo de meta-análise (Wang & Lin, 2009).

Geary e cols. argumentam que as discrepâncias não podem ser explicadas em função das diferenças do nível de escolarização da população nem tampouco pela inteligência. As diferenças devem, portanto, ser atribuídas a fatores culturais. Em chinês, p. ex., a sintaxe dos numerais verbais é muito mais simples e transparente do que em inglês. Isso poderia conferir uma pequena vantagem inicial às crianças chinesas, a qual se ampliaria com o tempo (Miller, Keller & Zhou, 2005).

O processo histórico-cultural pode também estar implicado. No último meio século houve muitas transformações culturais tanto nos EUA quanto na China. É impossível saber quais delas ou em quais combinações podem ser responsáveis. Um fator que tem sido salientado na literatura é a atitude das famílias e professores chineses em relação ao estudo e disciplina (Miller, Keller & Zhou, 2005). No Ocidente o ensino de matemática passou por várias reformas, todas elas inspiradas nas idéias construtivistas. Foi progressivamente sendo retirada ênfase da memorização dos fatos e prática com os algoritmos, sendo promovida a compreensão conceitual e a descoberta autônoma.

Na China, por outro lado, tanto pais quanto professores aderem a práticas e atitudes mais tradicionais, estimulando o esforço e o exercício. A introdução da abordagem construtivista ao ensino da matemática e ciências é um fenômeno bem recente e incipiente na China (Yang, 2015). Não há evidências, portanto, que permitam um juízo definitivo. Enquanto não soubermos quais serão as conseqüências do construtivismo sobre o desempenho em aritmética das crianças chinesas fica difícil decidir ao certo. Entretanto,, msmo não sendo convincentemente condenado, o construtivismo permance, entre outros, como um potencial, e eu diria principal, suspeito do mau desempenho em aritmética em muitos países.


Referências

Alfieri, L., Brooks, P. J., Aldrich, N J., & Tannenbaum, H J. (2011). Does discovery-based instruction enhance learning? Journal of Educational Psychology, 103, 1-18.

Christodoulou, D. (2014). Seven myths about education. London: Routledge / The Curriculum Centre.

Geary, D. C. (2005). The origin of mind. Evolution of brain, cognition and general intelligence. Washington, DC: American Psychological Association. 

Geary, D. C., Hamson, C. O, Chen, G. P., Liu, F., Hoard, M. K., & Salthouse, T. A. (1997). Computational and reasoning abilities in arithmetic: cross-generational change in China and the United States. Psychonomic Bulletin & Review, 4, 425-430.

Haase, V. G., Júlio-Costa, A., & Lopes-Silva, J. B. (no prelo). Por que o construtivismo não funciona? Educação, processamento de informação e aprendizagem escolar. Psicologia em Pesquisa, UFJF.

Haase, V. G., Lima, B. A.C. R. & Júlio-Costa, A. (2015). A lenda do construtivismo. In R. Ekuni, L. Zeggio & O. F. A. Bueno (eds.) Caçadores de neuromitos. O que você sabe sobre o seu cérebro é verdade? (pp. 153-166). São Paulo: Mennon.


Haase, V. G., Ferreira, F. O., Moura, R. J., Pinheiro-Chagas, P. & Wood, G. (2012). Cognitive neuroscience and math education: theaching what kids don't learn by themselves. International Journal for Studies in Mathematics Education, 5, 2 (http://www.pgsskroton.com.br/seer/index.php/jieem/article/view/110/99).

Kroesbergen, E. H., & van Luit, J. E. (2003). Mathematics interventions with special educational needs. A meta-analysis. Remedial and Special Education, 24, 97-114.

Hattie, J. C. (2009). Visible learning. A synthesis of over 800 meta-analyses relating to achievement. London: Routledge.

Mayer, R. E. (2004). Should there be a three-strike rule against pure discovery learning? the case for guided methods of instruction. American Psychologist, 59, 14-19.
Miller, K. F.,Kelly, M., & Zhou, X. (2005). Learning mathematics in chind and the United States. Cross-cultural insights into the nature and course of preschool mathematical dvelopment. In J. I.d. Campbell (ed.) Handbook of mathematical cognition (pp. 163-178). New Yorik: Psychology Press.

Sweller, J., Ayres, P., & Kalyuga, S. (2011). Cognitie load theory. New York: Springer.

Wang, J., & Lin, E. (2009). A meta-analysis of comparative studies of Chinese and US students mathematics performance: implications for mathematics education reform and research. Educational Research Review, 4, 177-195.

Willingham, D. T. (2011). Por que os alunos não gostam da escola. Porto Alegre: ARTMED.


Yang, Y. (2015). The challgence of STEM education: International Perspectives. In Desafios da educação técnico-científica no ensino médio. Rio de Janeiro: Academia Brasileir ade Ciências, Simpósio. (http://www.abc.org.br/IMG/pdf/doc-6733.pdf).

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